terça-feira, 2 de agosto de 2011

PASSEIO COMPLETO NOS MESTRES ESPANHÓIS

Por klerber galvêas

Em “Aspectos das Artes Plásticas no Brasil”, Mario de Andrade nos ensina que o desenho, da mesma forma que as artes da palavra, é essencialmente uma arte intelectual, que a gente deve compreender com os dados experimentais, ou melhor, confrontadores, da inteligência.

Cada elemento do desenho ou gravura não é alguma “coisa”, mas quer dizer alguma “coisa”.

A transposição da “matéria” não existe no desenho. Desenho é uma espécie de definição, da mesma forma que a palavra “casa” substitui a coisa “casa” para a nossa compreensão intelectual.

Após ter visto desenho de Leonardo da Vinci, exibido sem moldura, em sala especialmente preparada, na Galeria Nacional em Londres (1968), vi, no Rijksmuseum da Holanda, uma centena de desenhos de Van Gogh, sem molduras, expostos sobre bancadas.

Do que, na minha inexperiência, me pareceu uma falha da curadoria encontrei sábia explicação em Peniche Galveias (Lisboa) e em Mário de Andrade (Brasil): “...colocar moldura num desenho...é uma estupidez que toca as raias do vandalismo. Os amadores do desenho guardam os seus em pastas. Desenhos são para a gente folhear, são para serem lidos que nem poesias, são haicais, são rubayat, são quadrinhas e sonetos.”

Desenhos e gravuras são para serem vistos em livros ou folhetos. São obras gráficas cujo processo de multiplicação, ou reprodução em série, não representa perda de qualidade. O “original” é só a matriz. Falar em obra gráfica original, ou gravura original, não faz sentido. O termo “original” em linguagem artística é usado em oposição à cópia.

Não sei se as gravuras de Miró, Dalí, Goya e Picasso, que nos serão apresentadas, em palácio, estarão emolduradas pelo nosso provincianismo. Dos convidados para o coquetel de abertura exigem moldura absoluta, nada contemporânea, muito menos atual: “Traje: passeio completo”.

Estas exposições contratadas pelo governo, das quais não conhecemos o orçamento, têm nos sufocado. Compram com o nosso dinheiro grandes espaços na mídia e aparecem em cores nas primeiras páginas. Realizações locais, às vezes, aparecem na quinta página em p/b. Consolida-se na mente dos capixabas que elas são importantes, e nós, quinta categoria.

Feitas com dinheiro público deviam seguir o preceito constitucional expresso no Art. 215: “O Estado garantirá... acesso às fontes da cultura nacional e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

Kleber Galvêas. Tel. (27) 32244 7115 www.galveas.com julho/2011

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